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Rapazes, vos vou contar tempos da minha mocidade; |
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em tudo fui infeliz, até na própria amizade. |
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Eu amava uma menina, era órfã, não tinha pai; |
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era uma pomba sem fel, vivia com sua mãe. |
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A sua mãe não queria que a filha amores tivesse: |
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namorava às escondidas para que a mãe não soubesse. |
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Assim andou sete meses sem haver novidade, |
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mas ao fim desses sete meses Deus lhe deu uma enfermidade; |
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uma moléstia que andava, chamada a febre amarela, |
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que ao espaço de três dias toma a morte posse dela. |
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Ela não podia morrer sem se despedir do amor; |
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chamou a mãe à cabeceira e lhe pediu com grande dor: |
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--Minha mãe do coração, peço-lhe com grande dor: |
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não posso dar a alma a Deus sem me despedir do amor.-- |
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Sua mãe lhe preguntou onde é que ele morava; |
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ela tudo isso lhe disse, até como se chamava. |
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Ele chamava-se Antoninho, mora na Rua do Almada. |
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Mandou logo a criada logo nesse mesmo dia: |
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--Venha ver a sua amada, que está na última agonia.-- |
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Eu, como nada sabia, sobressaltado fiquei; |
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deitei as mãos ao chapéu, a criada acompanhei. |
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Cheguei ao meio das escadas, estava tudo esmorecido; |
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estavam as janelas fechadas e lá dentro grande gemido. |
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Subi pelas escadas acima, no quarto dela entrei; |
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em tal estado a vi, só isto lhe preguntei: |
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--Mandaste-me chamar? --Mandei. --Ó minha pomba sem fel, |
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para te ver batalhar com a negra morte cruel?-- |
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Apertou a mão na minha, nem mais uma palavra deu; |
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virou-se para o outro lado, deu um suspiro e morreu. |
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Como hão-de agora ficar dois corações aflitos, |
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o meu e o da mãe dela, chorando em altos gritos? |
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Ó morte, tirana morte, contra ti tenho mil queixas: |
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quem hás-de levar não levas, quem hás-de deixar não deixas. |