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Naquela serrinha alta rico lavrador vivia; |
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tem duas filhas mui lindas, criadas em fantasia. |
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Casara-as com dois irmãos, ambos d` igual valia; |
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um era jogador, o outro homem de fortuna. |
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Morrera o jogador; ficara a triste viúva |
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sem ter nada que comer senão o que de Deus le vinha. |
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Fora a casa de sua irmã que lhe desse uma esmolinha |
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p`r` alimentar os filhinhos que de fome lhe morriam. |
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Ela diz que lha não dava, que coisa neúma tinha: |
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--Pois o meu dote e o teu foram d` igual valia. |
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Tornou-se a triste p`ra casa chorando de sua vida. |
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--Chorai, chorai, meus filhinhos, que remédio não havia. |
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Veio o marido da caça como de costume tinha; |
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pôs-lhe de comer como dantes lho fazia.-- |
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Foi a encertar um pão, em sangue se resolvia; |
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empeçou de encertar outro, e pela mesa corria. |
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--Que novas houve, mulher, ou que novas haveria? |
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--Veio aqui minha irmã, que le desse uma esmolinha, |
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e eu disse-le que la não dava, que coisa neúma tinha. |
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--Valha-te Deus, ó mulher, porque tu lha não darias? |
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Quando la não dás òs teus, que faria a gente minha?-- |
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Pegara em dois pãezinhos, para casa da cunhada ia. |
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Estavam as portas fechadas e rumores não havia. |
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--Abre-m` a porta, cunhada, qu` eu culpa neúma tinha.-- |
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Subiu ao cimo da escada e a porta se le abria; |
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ela estava amortalhada com sete filhos que tinha. |
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Em redor da sua mesa todos os manjares havia. |
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Tornou-se o homem p`ra casa, mui triste da sua vida; |
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ao chegar a sua casa a mulher desaparecia. |