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A condessa teve um filho, teve um só, não teve mais; |
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foram oferecer ao rei p`ra saber e valer mais. |
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Se o rei muito lhe queria, a rainha muito mais. |
4 |
El-rei dava o bom vestido, a rainha o bom calçado; |
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mandavam-no passear com cavaleiros fidalgos. |
6 |
Os vassalos, com inveja, ao rei foram-no acusar, |
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que ele estava e a rainha debaixo de um laranjal: |
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ele em gibão de linho, ela em rico saial. |
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--Corre, corre, cavaleiro, anda, vai-mo apanhar; |
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logo que chegar aqui, quero-o mandar castigar.-- |
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Mandou-lhe tirar as pernas para lhe quitar seu andar; |
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mandou-lhe tirar os olhos para mais não a mirar; |
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mandou-lhe tirar a língua para perder seu falar; |
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mandou-lhe tirar os braços para mais não abraçar. |
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Nem os olhos nem a língua, não lhos quiseram tirar. |
16 |
Mandou-o deitar na praça para ir a apedrejar. |
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--Passasse um anjo do céu, novas a minha mãe levasse! |
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Se não tivesse papel, sobre as asas lhas levasse.-- |
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Passara um anjo do céu voando pelo seu ar. |
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--Ó moço, dá-me uma carta, que ta quero ir levar; |
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jornada é de outo dias, hoje lha vou entregar.-- |
22 |
Chega a casa da condessa, ela o mandou entrar; |
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mandou-lhe deitar cadeira p`ra com ele conversar. |
24 |
--Não quero sua cadeira, que me não venho assentar; |
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trago-vos novas, senhora, bem custosas de vir dar. |
26 |
--Que fará a quem as ouve, se são caras de contar! |
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--Trago-vos novas, senhora, seu filho quer-se casar. |
28 |
--Diga-me o senhor menino que tal é a qualidade: |
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se é filha de algum duque ou de rei de Portugal. |
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--Pois não é filha de duque nem de rei de Portugal; |
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é filha de um carniceiro, neta de um que talha carne.-- |
32 |
Logo cobriu seu manto, começou de caminhar; |
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criados que vão com ela não a podem alcançar. |
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Quando lá chegou à praça aquele vulto viu estar; |
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meteu a mão no seu manto para uma esmola lhe dar. |
36 |
--Não quero vossa esmola, que lhe não posso pegar; |
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dai-me a vossa mão direita, que vo-la quero beijar. |
38 |
Ó meu filho, ó meu filho, quem vos fez tamanho mal? |
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--Foram os vassalos do rei que me foram acusar: |
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que eu estava mais a rainha debaixo de um laranjal, |
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eu em castelo branco, ela em rico saial. |
42 |
--Ó meu filho, ó meu filho, tua morte vou vingar.-- |
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Fôra-se a casa do rei, ele a mandara entrar; |
44 |
mandara-lhe pôr cadeira p`ra com ela conversar. |
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--Senhor rei, que é do meu filho, que eu o venho visitar? |
46 |
--O seu filho é na caça, é na caça, foi caçar.-- |
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Botou seu manto p`ra trás, que queria desabafar. |
48 |
--Não me sofre o coração que não torne a perguntar: |
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senhor rei, que é do meu filho, que o quero abraçar? |
50 |
--O seu filho é na caça, aqui não pode tardar; |
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do meio-dia para a uma ele aqui há-de ficar. |
52 |
--Não me sofre o coração que não torne a perguntar: |
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senhor rei, que é do meu filho, que o venho visitar?-- |
54 |
Que caça tão rigorosa, tão custosa de apanhar! |
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Puxara do seu punhal, logo ali o matara. |
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--Ali te fica, rainha, manda-o agora enterrar; |
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também te fica meu filho para com ele casares. |
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Fica-te embora, meu filho, tua morte está vingada, |
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que eu vou corrida da morte, da justiça arreada.-- |