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****Lá onde se acaba a terra e o mar de Espanha chegara, |
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mil castelos em ruínas esse mar avassalara. |
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Em uma soberba torre que nas águas se mirara, |
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enamorado cativo bem triste vida arrastara: |
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não comia nem dormia, dia e noite passeara; |
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ele apenas ali tinha uma viola que levara. |
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Lá por essa noite velha suas saudades cantara; |
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o mar seus cantos sumira, que o céu não os escutara. |
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Rota barca aventureira pela praia se rolara |
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em uma noite em que a lua incerta luz espalhara. |
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Vendo a barca, um doce intento em su` alma então raiara. |
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Muro abaixo vai correndo, mas o mar como bramara! |
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Com o levante que havia contra a praia arrebentara. |
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--Ondas do mar abaixai-- (assim o triste clamara), |
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--deixai-me chegar agora à terra que tanto amara, |
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donde trouve los cuidados que eu alta noite cantara. |
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Não me sepulteis, ó mar, dai-me o rumo que buscara. |
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Para que matar-me o corpo, se alma dele se apartara? |
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Para matar-me, sabei que esta ausência me bastara. |
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Abaixai, ondas salgadas, que eu tantas vezes saudara.-- |
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De repente à barca sobe, com ambas as mãos remara; |
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já longe estava da terra, a lua se sepultara. |
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Em meio do mar, sozinho, triste o cativo se achara, |
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sem saber o que fizera, que o trabalho o fatigara. |
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O vigia da menagem nisto do sono acordara, |
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e diz que ouvira uma voz que no alto mar bradara. |
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A torre logo subira, que era já de manhã clara; |
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mas só vira terra e mar e uma barca que boiara, |
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que o cativo sepultado lá nas vagas se quedara. |
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Meio-dia que era em ponto, a barca em terra varara; |
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o mar, como era mui rijo, logo ali a destroncara. |
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Quem perdeu foi o cativo que da prisão se soltara |
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para ver os seus amores que noutra terra deixara. |