|
--Senhor, quero-vos pedir por Deus e Santa Maria, |
2 |
que me leveis convosco, ainda que o não merecia: |
|
Servir-vos-ei como escrava sempre de noite e de dia. |
4 |
Deu-lhe uma cavalgadura das muitas que ele trazia; |
|
chegou até ao palácio de sua mulher Sofia, |
6 |
também lhe apresentou a senhora que trazia |
|
e contou-lhe como a achara, que nada lhe mentiria. |
8 |
Tomou-lhe um grande amor [. . . . . . . . . . . .] |
|
e mais do que a uma irmã ela muito lhe queria. |
10 |
Até um menino de peito lhe deu para companhia. |
|
Com ela ria e folgava sempre de noite e de dia. |
12 |
Tinha este conde um irmão, por Natão se conhecia, |
|
o qual, por esta senhora, graves penas padecia. |
14 |
Ia-lhe a beijar a mão e ela toda se desvia. |
|
--Essas cristalinas mãos d` aljôfar e pedraria |
16 |
deixai-mas beijar, pois têm tanta valia. |
|
--Retirai-vos diante de mim, não sejais de vilania, |
18 |
senão digo-o ao senhor conde que em mim muito se fia.-- |
|
Retirando-se à pressa, já vê-la não poderia, |
20 |
e dizia lá consigo: --Mas como eu me vingaria!-- |
|
Estando ela no seu quarto, como a ninguém temeria, |
22 |
queixando-se da desgraça que tanto a perseguia: |
|
--Sendo eu tão senhora, que no mundo não havia!-- |
24 |
Agora numa vassala, numa escrava se via. |
|
`Stava o malvado espreitando como o inocente dormia. |
26 |
Foi-se direito à cama onde o sobrinho dormia, |
|
deixou-o logo morto, nem com pé nem mão bulia. |
28 |
Matou c` o cutelo na mão o inocente que dormia. |
|
Vendo-o banhado em sangue que até pela boca corria, |
30 |
começou logo a gritar: --Valha-me a Virgem Maria! |
|
Acudi-me, senhor conde, e minha amiga Sofia; |
32 |
mataram vosso menino, minha doce companhia!-- |
|
O primeiro que apareceu foi Natão. Assim dizia: |
34 |
--Ó malvada, pois mataste a quem eu tanto queria? |
|
Eu quero ser o assassino, quero fazer o que devia!-- |
36 |
O conde estava pasmado de tanta cousa que via. |
|
Dizia: «Eu não acredito» à sua mulher Sofia. |
38 |
Quem tal crime cometeu grande mal lhes queria. |
|
--Pois ainda duvidais de tão negra vilania? |
40 |
Pois não vedes, senhor conde, que ela tudo isso faria?-- |
|
--Vós não vedes o seu rosto desfigurado, de pedra fria? |
42 |
Pois já que tanto ateimais, matá-la não consentiria. |
|
Levai-a para a floresta aonde se encontraria, |
44 |
que ali, de fome e de sede, sua culpa pagaria.-- |
|
Para levar a senhora logo um navio apar`cia; |
46 |
com as lágrimas nos olhos da terra se despedia. |
|
Chegaram à floresta e lá a deixariam, |
48 |
que ali, de fome e de sede, sua culpa pagaria. |