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Seis anos tinha Alfredo quando Deus lhe levou a mãe; |
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Serafina, coitadinha, nem dela se lembrava bem. |
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De três anos Serafina ficou sem sua mãe pura; |
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u~a morte repentina levou-a à sepultura. |
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Fez grande pranto espantoso no dia do seu enterro; |
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foi por ele o seu esposo depois cometer um erro. |
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Na hora do funeral muita gente estava junta; |
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fez o pranto mais fatal sobre o caixão da defunta. |
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Dizia à sua consorte: --Roga a Deus por mim, querida; |
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que de mim se lembre a morte, que não importa mais a vida. |
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Roga a Deus por teus filhinhos, por ordem de quem dá, |
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que os leve, coitadinhos, para a tua felicidade. |
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Já não habituo a voz, já teu amor não existe; |
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fechados em casa sós, tristes, terrivelmente tristes, |
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nu~ a casa negra, escura, coberta de solidão. |
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Foram levá-la à sepultura, sem terem a quem peçam pão: |
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coitadinhos, já não têm quem muitos mimos lhe faça; |
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chorai pela vossa mãe, chorai a vossa desgraça. |
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Chorai, meus queridos filhos, já que Deus permete assim; |
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fiquei com . . . . . . . . .*, que hei-de fazer assim? |
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Alfredo pergunta ao pai, que entre os braços o estreita: |
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--A mamãe para onde vai, que está hoje tão perfeita? |
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Eu também com ela hei-de ir mais a nossa Serafina; |
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mas ela está sempre a dormir; ó mamãe, olha a menina!-- |
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Serafina, grito enorme: --Nossa mamãe vêm roubar; |
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que homens de maus corações sozinhos nos queirem deixar. |
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--Serafina, vamos ver para onde a vão levar, |
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que logo havemos de dizer ao papai quando acordar.-- |
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Não houve u~a alma viva que visse estes inocentes |
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que não ficasse cativa, com prantos pardacentos (?). |
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Viveram em casa sozinhos, servindo a todos de espelho, |
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até que os seus vizinhos lhe deram outros conselhos. |
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Que mudasse ele de estado com u~a boa rapariga; |
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assim fez o pobre, coitado, com a maldita decidida (?). |
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Airosa, muito bonita, delgada sobre comprida, |
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mas como esta u~a maldita, não tornou a ser merecida. |
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Três anos viveram sós, sem que houvesse novidade, |
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depois de dados os nós da Santíssima Trindade. |
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Quis Deus lhe dar um filhinho ao fim destes três anos; |
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por amor deste nénézinho tomou sentidos tiranos. |
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Da escola Alfredo vinha, Serafina o foi esperar: |
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--Olha que a nossa madrinha diz que nos há-de matar. |
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Deu em mim muita pancada e eu bonito me fiz; |
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quero dizer que não sei o que ela de nós diz. |
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Ela contra nós se vira sem ter motivos, penso eu; |
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tem paciência, suspira, que quem nos queria bem morreu.-- |
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Chegou o pai do trabalho. Diz Sarafina, coitada: |
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--Papai, a madrinha, com um molho, deu em mim muita pancada. |
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--Porque bates nos pequenos? Que fazem eles aqui? |
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--Ainda neles, dou neles, enquanto não for em ti. |
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--Confiada, assim te digo, falando assim tão vilmente, |
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se esse que tens é meu filho, estes o são igualmente. |
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Leva lá essa receita p`ra não seres confiada!-- |
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Levantou a mão direita e lhe deu uma bofetada. |
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Foi-se deitar para a cama esta maldita, preversa; |
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levou a noite esta infame com o marido na conversa. |
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Com um sorriso infernal e. . . . . . . . . . . . . . . . . . .*, |
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com arte nos fez mal (?) do melhor modo que quis. |
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Dizia ela ao marido: --Terei um gosto imenso |
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se fizeres o meu sentido como realmente penso. |
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Penso muito em Serafina, naquela esgadelhada; |
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foi a razão tão ruim de eu levar a bofatada. |
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Ainda mais penso em Alfredo, ambos hão-de levar fim, |
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por andarem sempre em segredo, dizendo mal de mim. |
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Dou-lhes pelos maus costumes, que não fazem o qu` eu digo; |
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por eles te tornas cioso, queres viver mal comigo. |
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Assim, d` hoje para o futuro, viveremos descansados; |
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eu sou a mesma que juro que hoje serão desterrados. |
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Desterrados nas montanhas, desviados das aldeias, |
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onde lhe rasguem as entranhas os montes e a as feras feias. |
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Ponham estes vilões os ossos espatifados; |
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de figas, cães e leões sejam eles devorados. |
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Sejam eles padecentes da morte mais rigorosa; |
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espatifados nos dentes da fera mais venenosa. |
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Só assim teria alegria, ditosa satisfação; |
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depois de passar o dia da sua desaparição. |
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Porém, levanta-te agora, e vai pô-los no retiro |
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para que comecem esta hora o seu tirano martírio.-- |
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Logo o pai os seus filhos chama, estes dois tristes pequenos, |
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sem que desse nesta infame uma carga mais ou menos. |
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Deixam os filhos o seu ninho onde foram nascidos, |
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seguindo o pai no caminho onde os foi deixar perdidos. |
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Ficou dizendo a madrasta: --Vão dar aos bichos pastagem, |
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onde acabarão a casca (?) desta vil garotagem. |
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Fico agora sem cuidados, sem ter mais quem me persigue, |
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não havendo outro malvado que fale mal e de mim diga. |
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Aí perto, na freguesia, vão fazer um chincalho; |
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enfim, eu vou-me calar, deixá-los passar trabalhos.-- |
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Muitos dias se passou sem que voltasse o marido; |
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logo o regedor perguntou ele p`ra onde é que tinha ido. |
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--Disseram que iam à lenha e eu ainda estou à espera; |
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talvez fossem na montanha comidos dalguma fera. |
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Nisto tenho imaginado, são coisas que me consomem; |
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se morreu assassinado, coitado do meu rico homem.-- |
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Foram postos nos papéis logo, imediatamente, |
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e nunca acharam fiéis que tivessem visto aquela gente. |
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Foram procurar no mar, também lá ninguém os vira; |
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o regedor fez um acto, contradizendo à mentira. |
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--Esta mulher já mente: desgostava seu marido. |
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E por ter já muitas vezes nos enteados batido. |
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Veio u~a ordem despachada, u~a ordem briosa, |
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que fosse ela encerrada nu~ a prisão tenebrosa. |
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Se algum dia eles aparecerem, dar-se-á sua soltura; |
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senão, tem que jazer dela para a sepultura.-- |
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Assim mesmo sucedeu, toda a vida ela penou, |
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que o marido assim morreu, um dragão o devorou. |
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Grande pai de corajoso! Querer os filhos deixar |
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no lugar tão espantoso para os bichos os matar! |
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Debaixo dum arvoredo onde os filhos se sentaram |
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estava morto de sede, a água ia procurar. |
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Foi a última benção, foi a última despedida |
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que este pai deu aos filhos por toda a vida. |
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O sol `tava-se pondo, da frecha dava na beira (?); |
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onde é qu` o menino (?) s` esconde? No cabo desta ladeira. |
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Prometeu o Redentor que este bicho se escondesse |
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para que este grande traidor também a morte conhecesse. |
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Saiu o dragão à frente, muito com ele lutou, |
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até que aquele . . . . . .* muito breve o degolou. |
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Doutros bichos foi levado para dentro das cavernas |
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e apenas foram encontrados os grandes ossos das pernas. |
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Acharam os filhos demora, o pai foram procurar, |
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mas naquela mesma hora não o puderam encontrar. |
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Com um amor vivo e puro procuraram o rochedo |
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onde os bichos tão escuros lhe fizeram ganhar medo. |
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Procuraram todo o dia sem o pai poder achare, |
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[. . . . . . . . . . . .] e depois encontraram os ossos. |
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Que trabalhos foram os nossos quando eles acharam os ossos! |
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--Foram os . . . . . . . . .* aquecidos por esses brutos tão ingratos, |
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e ainda não foram comidos porque eles andaram fartos. |
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Dizei-me, pai, se estes ossos eram os que vinham à fonte; |
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por onde foram instrumentos (?) que passastes aqui onte? |
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Vós vinhas matar a sede, aumentaste a vossa mágoa; |
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servistes aos bichos de rede e nem tão-pouco vistes água. |
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Deixastes isto, Deus triste, pela sede de amargura; |
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nem tão-pouco água vistes com que matasses a secura. |
136 |
Alfredo dando mudança (?), Serafina se adormia, |
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quando ouviu esta criança u~a voz como dizia: |
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--Alfredo, o que estás ouvindo, eu por Deus te explico: |
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serás um homem mais lindo, dos bens do mundo o mais rico. |
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Serafina, és ainda u~a inocente do colo; |
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serás a cara mais linda que haverá debaixo do sole. |
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Sairás destes rochedos para espanto das mulheres |
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e dourarás com os teus dedos tudo quanto tu quiseres.-- |
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| (E diz ... Porque`ele ... Um velho passou, e é que os levou. Eles, eles andaram) | |
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Meio dia muito andaram nu~ a longa retirada, |
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até que por fim chegaram a u~a formosa estrada. |
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| (Mas eles, eles não se conheceram um ao outro. [...] Ele diz assim:) | |
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--Dize-me que o acompanha u~a donzela tão linda; |
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como veio a esta montanha, como foi a sua vinda? |
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Serafina deu um ai e disse cheia de ternura: |
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--Vim com Alfredo e meu pai e vejo junta a criatura (?). |
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--Espera, mana querida, qu` eu mesmo Alfredo sou, |
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que te acompanha (?) na vida sem saber para onde vou. |
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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . Nem pão já temos na saca; |
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eu pus-te a comer só por ti, por seres de coragem fraca. |
154 |
Vamos de passo avançado, antes que a gente aqui morra, |
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ver se achamos povoado que da fome nos socorra.-- |
156 |
Meio dia muito andaram nu~ a longa retirada, |
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até que por fim chegaram a u~a formosa estrada. |
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| (E agora aqui eu não sei tudo a eito. Eles adormeceram e passou um velho, e disse . . . Um velho rico, e disse:) |
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--Enfim, de os acordar, talvez que não faça bem, |
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mas tenho pena em deixá-los onde nã passa ninguém. |
160 |
Filhos de Nosso Senhor, que fazeis nesta montanha, |
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onde o forte caçador só bravos bichos apanha? |
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--Senhor, ambos de joelhos vos pedimos compaixão, |
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que dês alguns conselhos a dois tristes que aqui estão. |
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Dai-nos um pedaço de pão para nos matar a fome; |
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é a mim e à minha irmã, que há dois dias que nã come.-- |
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| (E ele perguntou eles dond` eram. Como é qu` eles vieram p`aquela montanha. E ele disse-le assim: e:) |
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166 |
--Meu pai madrasta nos deu, mulher de grandes tiranias, |
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que nos não tinha lei, batia-nos todos os dias. |
168 |
Meu pai um dia irritou-se e deu-lhe u~a bofetada |
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e no outro dia nos trouxe para esta retirada.-- |
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| (E ele levou-os. E lá os criou. Deu-l` escola e tudo o qu` eles precisavam. E, e depois... Ele comprou um navio. O rapaz. O Alfredo comprou um navio, e disse à irmã p`r`à irmã ir dourá-lo de noite. Nã queria que ninguém a visse. E a irmã foi, dourou a câmara. . . . . . . . . .* E depois ela disse... Não, mas é qu` ela fez um dia u~a bolsa p`r`Alfredo brincar e Alfredo disse que tinha gosto de a ver dourada. [Isto já nã está bem dito.] E ela disse-le, e ele disse: --Se tens gosto em vê-la dourada, passa-le os dedos por cima:) |
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170 |
Serafina desatou nu~ a grande gargalhada; |
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zombando, experimentou se o bolso o dourava. |
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| (E depois dourou-le o navio, e ele chegou a um porto onde estava o rei e o príncipe. E eles foram fazer a visita a bordo do, do navio. E, e depois o rei disse qu` ele que tirasse aquele retrato da, qu` era dela, qu` ele levava, dela e dele. (Mas é qu` eu já nã sei isto tudo a eito.) Que tirasse aquele retrato. `Tavo à pressa tirando. O capitão, o príncipe chegou, não le deu ocasião. (Mas é qu` eu já não sei dizer esta.) E depois ele, ele disse: "--Dizei-me se pertence a u~a pessoa viva". E ele disse:) |
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172 |
--É minha irmã; julgo que não comemos no mesmo prato; |
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a pensar qu` era o ser viva como ver o seu retrato (?). |
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| (E depois u~as pretas e tiraram os olhos à rapariga. Quando que`ele... Ela disse... Ele disse:) |
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174 |
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . --Não saias; eu bem te aviso |
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que aqui em casa tens tudo quanto é preciso. |
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| (Ele disse p`ra ela nã sair. Mas essas pretas foro e tiraram os olhos e é que foro a casar c` o príncipe. E o príncipe ia casar já co`essa preta. Andavam a... E depois, as pretas... Ah, a rapariga, e pediu, fez um remédio e deu nos olhos. [Mesmo se vê que não é verdadeiro o resto. Ah, da madrasta ser ruim, `tá ali no jornal. u~a madrasta no Continente matou dois, dois enteados, e foi queimando-os. Queimou o nariz, queimou-l` a cara, queimou-l` as orelhas. Isto `tá ali, que foi agora. Esse podia-se acreditar. Não se pode acreditar é estas coisas. Dos olhos. C`os olhos.] Ela ficou vendo. E depois, o irmão já ia a morrere e já ia a matar. Qu`a preta ainda disse: --Dize-me, filho de vilão... [Também era gente tola. Ele era bonito, como é que era filho du~a preta?]) |
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176 |
--Dize-me, filho de vilão, antes de seres degolado, |
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se não é esta a tua irmã, esta qu` está a meu lado? |
178 |
--Nunca foi nem há-de ser, maldita preta maldosa; |
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que traição fostes fazer à minha irmã tão formosa? |
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| E a pre.., e a outra, a filha, disse: |
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180 |
--Eu era muito elegante; já de tudo nos estragastes |
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por seres um extravagante do tempo que te criastes. |
182 |
Em meus dias estragastes tudo quanto arranjei; |
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até retratos comprastes para ver se enganava a el-rei. |
184 |
Fizeste-te tanto apressoso (?), sendo tu um rodilha; |
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talvez quisesses u~a coroa e casar com sua filha. |
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| E ele ia a morrer. E ele diss` assim: |
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186 |
--Se vives, minha irmã pia, faz por mim u~a oração; |
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se te come a terra fria, qu` é da minha salvação? |
188 |
u~a mulher se aproxima antes que o seu sangue corra; |
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talvez seja quem o estima, quem nã quer que ele morra. |
190 |
--Alto, não deis o corte, que eu vos peço para não dar; |
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que suspendas essa morte perante a autoridade. |
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| (E depois ele conheceu a irmã. E a irmã sempre casou c` o príncipe.) |
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192 |
O príncipe sempre gozou a mulher das maiores lindezas, |
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e Alfredo também casou com sua mana princesa. |