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****Má sentença um homem teve em hora triste e minguada; |
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por ela andava perdido, sua mulher desterrada. |
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Sentado estava chorando sua vida tão airada. |
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Quando seu pranto em torrentes a fala lhe já tomava, |
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uma voz ao longe ouvira que mui alto lhe bradava: |
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--Caminha, vai a Lisboa, não temas essa jornada, |
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que a sentença que tiveste foi por bem que te foi dada. |
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--Como pode assim ter sido, se contra mim foi lavrada? |
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--Corre a casa do notário, acharás que não é nada. |
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Vai-te a casa do juiz onde se fez a ajuntada, |
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depois volta à escrivania, verás a letra mudada. |
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Seguindo vai `té Lisboa como quem bem caminhava. |
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Chega a casa do notário, ouviu que não era nada; |
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chega a casa do juiz onde se fez a ajuntada, |
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e procurando a sentença, achou-a toda riscada. |
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--Homem, quem aqui te trouxe a seguir esta jornada? |
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--Mandou-me o Senhor da Pedra mais a Virgem Mãe da Orada, |
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que a consolar-me vieram quando los eu invocara. |
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--Oh quem tal dita tivera, que para trás já voltara! |
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--Eu por mim, sim, voltaria, mas não mais os encontrara.-- |
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Indo pelo seu caminho com a sentença mudada, |
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uma mulher vira morta, num esquife amortalhada. |
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A mulher logo se erguera, que a vida então recobrara. |
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Vendo passar seu marido pelo nome lhe bradara: |
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--Homem, se estás em pecado, confissão te seja dada, |
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já que eu morri neste mundo sem ver hóstia consagrada. |
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Depois de te confessares tu` alma será ganhada; |
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chega pois à confissão, que não precisas mais nada. |
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--Também tu, ó mulher minha, que ora estás ressuscitada, |
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antes que recaias morta faze por ser confessada. |
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A Deus pede que te salve mais à Virgem Mãe da Orada.-- |
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Em oração se puseram, anjos à terra baixaram; |
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depois de oração fazerem ambos para o céu voaram. |