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No correr deste ribeiro, longe desta fonte fria, |
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uma pastora mocinha com seu pai além vivia. |
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Seu gado a pastorar `inda manhã mal rompia, |
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à hora do pôr do sol com seu gado recolhia. |
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Voltando ela p`ra casa pela noitinha dum dia, |
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no regaço do saiote confeitos, maçãs trazia. |
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E nem maçãs nem confeitos na ilha nã nos havia; |
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tudo era sertão bravo, rara casa moradia. |
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--Que coisas são estas, filha? Ninguém aqui las teria! |
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--Linda senhora mas deu, que outras tantas trazia. |
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É certa toda-las tardes, `li além, à fonte fria; |
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fala e reza comigo, é la minha companhia. |
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--Filha, essa maravilha só por incanto seria.-- |
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No outro dia vindouro ele se pôs de vigia |
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e seus mesmos olhos viram que la filha nã mentia. |
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Viram divina imagem da Virgem Santa Maria; |
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la imagem, a sorrir, e la filha que comia. |
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Lo pai viu la Virgem Santa em imagem que sorria; |
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mas la filha, inocente, em viva carne la via. |
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Diz lo pastor: --Oh, milagre! Venham todos à porfia; |
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apar`ceu aqui no Monte la Virgem Santa Maria!-- |
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Gonçal` Aires, mal o soube, uma capela fazia, |
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e na capela devota Nossa Senhora metia. |
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Mas la Senhora, soidosa, p`r`à sua fonte fugia, |
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a falar à pastorinha, sua fiel companhia. |
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Vai então todo lo povo, sem faltar la fidalguia; |
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melhor igreja levantam, cada qual como podia. |
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E em procissão levaram la Santa Virgem Maria, |
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que, vendo tamanha fé, lá ficou de moradia. |
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Em prova deste milagre ved` aí la fonte fria; |
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la Senhora na igreja, e cad` ano, romaria. |